Dia das mães e o mercado de trabalho: questionamentos que permanecem

O Dia das Mães na empresa é uma oportunidade para refletir sobre o impacto da criação de filhos na carreira profissional e como as corporações podem fazer parte de uma mudança social em torno delas, e não apenas desenvolver uma comemoração para a data.

Isso porque é comum que as organizações tratem sobre esse tema de maneira superficial. Em inúmeras campanhas, é ressaltada a força de quem opta pela maternidade, o amor à família, o papel das mulheres junto aos filhos, entre outras abordagens parecidas.

Entretanto, o papel materno é multifacetado. Por exemplo, uma pessoa que é mãe, branca e de renda média não enfrenta os mesmos desafios de uma pessoa negra periférica.

Isso sem falar nas particularidades de quem é mãe solo, das famílias homoafetivas, pessoas não binárias, entre outros grupos que precisam ser representados.

Neste artigo, vamos abordar a importância de quebrar os estereótipos que ainda existem em relação à maternidade e ao mercado de trabalho.

Confira também insights sobre as dificuldades que pessoas que são mães enfrentam nas suas carreiras, o funcionamento de dispositivos como a licença maternidade e como as áreas de RH e Compliance podem agir para promover um ambiente de trabalho mais inclusivo para pessoas que são mães.

Boa Leitura!

A importância de quebrar estereótipos de Dia das Mães na empresa

O que o Dia das Mães deve suscitar nos espaços corporativos? Atualmente, está cada vez mais difundida no âmbito social e legal a necessidade de questionar falas e ações com potencial segregador que, por muito tempo, foram consideradas uma certeza.

As datas comemorativas trazem à tona essas reflexões. Cada vez mais, estamos contestando estruturas, relações e significados por trás desses momentos. O Dia das Mães certamente é mais uma dessas oportunidades.

Você já pensou nas dificuldades existentes entre conciliar carreira, desenvolvimento pessoal, saúde, relacionamentos e, além disso, ser mãe? Como fica aquele tão sonhado cargo dentro da estrutura ainda patriarcal em que impera o mercado de trabalho? E aquela promoção esperada há tanto tempo? Será que existe alguma mudança acontecendo no âmbito corporativo?

O mercado de trabalho, bem como a sociedade como um todo, ainda caminha a passos lentos para um cenário ideal de acolhimento às pessoas que maternam.

A boa notícia é que velhas perspectivas, consolidadas há séculos, finalmente são vistas como ultrapassadas para serem difundidas.

Uma nova visão mais coerente e realista sobre as pautas da luta das mulheres começa a ocupar o centro das discussões. Um bom exemplo está na cobrança por novas abordagens nas próprias campanhas do Dia das Mães na empresa. Entenda:

Mãe é quem cuida

O primeiro Dia das Mães foi convocado por Julia Ward Howe em 1872. Seu objetivo era mobilizar as mães que perderam seus filhos durante a Guerra Civil nos Estados Unidos. Mais de 150 anos depois da primeira comemoração, a data foi totalmente modificada e possui um enorme apelo comercial

Nenhum grande problema constatado até aí, até chegarmos no questionamento:

Quem são as mães para quem o mercado financia o Dia das Mães?

Existe um estereótipo social de que mãe é aquela mulher que engravidou e se encontrou na vida após o nascimento de seu filho. Além, é claro, de desconsiderar qualquer retrato que não seja de uma família formada por um homem e mulher cis gênero.

Felizmente, o espaço para uma interpretação tão rasa dos vínculos familiares está diminuindo.

Famílias compostas por pessoas LGBTQIA, mães ou pais solos e até mesmo outros membros que desempenham o papel parental, devem ser representados em publicidades e no endomarketing corporativo.

Dificuldades que mães enfrentam no mercado de trabalho

A luta das mulheres por espaço no mercado de trabalho avançou nos últimos anos, mas ainda existe muito o que se reivindicar. O primeiro fator que deixa isto evidente é a diferença salarial entre os gêneros.

Nesse sentido, a importância de combater a discrepância entre valores recebidos já é amplamente reconhecida. Entretanto, os desafios para promover uma remuneração igualitária ainda estão longe de serem superados.

Tanto é que a diferença salarial entre homens e mulheres seguia uma tendência de queda até 2020, mas voltou a crescer nos últimos anos. No fim de 2022, atingiu 22%. Ou seja, para cada R$ 1 ganho por um homem, uma mulher brasileira no mesmo cargo recebe apenas R$ 0,78. Os dados, divulgados pela Época, são do IBGE.

Dito isso, o retrato da desigualdade não para apenas nesse âmbito. Separamos a seguir as principais dificuldades que pessoas que são mães encontram após gerarem uma vida:

Conciliar maternidade e carreira

Atentar-se ao cuidado completo de uma nova vida e manter-se ativa de forma integral no trabalho é uma dificuldade recorrente para aquelas que se tornam mães. Estudos apontam que 94% das mulheres sentem dificuldade para conciliar maternidade e carreira.

Existem diversos fatores que explicam o desafio de conciliar esses dois pontos que vão desde vagas insuficientes em creches públicas até a carga emocional e psicológica do pós-parto.

Preconceito nas entrevistas

O processo de recrutamento de muitas empresas é uma barreira. Não são raras as vezes em que as competências e habilidades das pessoas que são mães ficam em segundo plano, sendo constantemente questionadas sobre como será possível conciliar suas obrigações profissionais com as demandas de cuidar de uma criança.

E a partir deste ponto, um viés já está ativo.

Para se ter ideia, as chances de uma mulher sem filhos ser contratada é 80% maior em relação às profissionais que são mães.

O dado foi obtido em um estudo promovido pela Fortune junto às 500 maiores companhias do mundo, cujos resultados foram divulgados pelo RH Portal. Esse é um ponto muito relevante a ser considerado quando abordamos o assunto.

É importante sempre ter em mente que mães, ainda carregam as mesmas experiências, sonhos e habilidades que existiam antes. Diversas questões pessoais podem impactar a carreira de qualquer membro de sua equipe, mas nem todos são questionados da mesma forma.

Falta de uma rede de apoio

Existe o estigma de que quando uma pessoa se torna mãe, deve ser devota a este papel de forma exclusiva. Mas esta crença afasta as oportunidades de trabalho e promoção.

Como se não bastasse, as pessoas ao redor não costumam levar em consideração as necessidades profissionais desta mãe e podem desmotivar o avanço profissional de diversas maneiras. Ou seja, não existe um estímulo e um apoio para que esta pessoa se sinta pertencente ao âmbito corporativo.

O estudo mencionado anteriormente traz insights interessantes sobre esse processo. De acordo com seus resultados, apenas 25% das pessoas que são mães recentes voltam a trabalhar após 6 meses, e 22% delas não conseguem retornar para o mercado.

Somado a isso, 56% das maternas entendem que têm dificuldades para alcançar o sucesso tendo filhos. Portanto, sem uma rede de apoio para dar seguimento à vida profissional, há pouco o que comemorar no Dia das Mães na empresa.

Carga emocional e psicológica

Ser mãe pode ser muito solitário em diversos aspectos que impactam o psicológico. Muitas pessoas relatam que após o parto passam a sentir um vazio interno gerado pelo puerpério.

Esses pontos abordados deixam explícito um dos motivos pelo qual o topo hierárquico das empresas é ocupado em minoria por mulheres.

Um amplo levantamento, realizado pela socióloga Louise Marie Routh com profissionais com título de MBA, mostrou que 36% delas dizem ter tido uma interrupção na progressão de suas carreiras depois da gravidez, enquanto seus colegas sem filhos seguiram em uma trajetória de promoção e aumento de prestígio.

Outro bom exemplo deste preconceito é que homens não costumam interromper sua progressão profissional ao se tornarem pais, visto que o prazo de licença paternidade é de apenas 5 dias. Já as mulheres, em diversas situações, precisam abrir mão de promoções pela dificuldade de conciliar suas realidades.

Licença maternidade: como funciona no Brasil e quais as consequências

No Brasil, as regras da licença maternidade são bem definidas. Todas as mães têm direito a 120 dias de licença 100% remunerada. Esse benefício pode ser iniciado até 28 dias antes do parto ou quando nasce o bebê.

Aqui, também precisamos ressaltar que a licença maternidade não vale apenas para as mães que deram à luz. A lei também protege funcionárias que se tornam mães por meio de processos de adoção. Porém, os dados corporativos após o nascimento da criança são preocupantes.

De acordo com uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), quando uma pessoa se torna mãe, a queda profissional se inicia imediatamente após o período de proteção ao garantido por lei (quatro meses).

Após 24 meses, quase metade das profissionais que tiram licença-maternidade estão desempregadas. A maior parte das saídas do cargo se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador.

Em contrapartida, precisamos destacar a desigualdade de gênero sob a ótica da licença paternidade. Ela é constituída de 5 dias corridos a partir do primeiro dia útil do nascimento do bebê.

Esse curto prazo reforça a ideia de que os cuidados com a criança são de responsabilidade exclusiva da mãe, reforçando o esgotamento psicológico e a dificuldade da mulher em avançar profissionalmente.

O que as empresas podem fazer para melhorar esse cenário

A mudança na cultura organizacional das empresas é uma maneira de interromper o ciclo de discriminação com mães e lhes assegurar melhores oportunidades. Para isso é preciso estabelecer estratégias e políticas internas que minam as possibilidades de preconceito no ambiente corporativo.

O caminho para essas políticas podem ser desenvolvidos em conjunto com a área de RH e Compliance. Portanto, vale aproveitar as reflexões motivadas pelo Dia das Mães na empresa para considerar a implementação de pontos como:

Redução da discriminação no recrutamento e promoção

Ao tratar sobre o Dia das Mães na empresa, as políticas de recrutamento e promoção ganham o centro dos debates. Para garantir a igualdade no mercado, essas frentes devem ser imparciais, equitativas e livres de discriminação.

Ao ajustar todas as etapas do processo seletivo para que não haja ações discriminatórias em relação à maternidade, as empresas não só promovem a igualdade, como também ganham uma força de trabalho:

• Diversa;

• De alta performance;

• Engajada;

• Criativa.

O foco é garantir que todas as pessoas sejam avaliadas com base em suas habilidades técnicas, soft skills, experiências e méritos. Isso significa jamais condicionar a capacidade profissional de alguem à condição parental.

Licença-maternidade e licença-paternidade estendida

Considerando o estudo da FGV citado anteriormente, sobre os altos índices de desemprego observados após o período legal de afastamento de pessoas colaboradoras que são mães, torna-se evidente que a licença-maternidade de 120 dias não é suficiente para manter as mães no mercado de trabalho.

Diante disso, uma boa oportunidade de fomentar inclusão não só no Dia das Mães mas em todos os outros na empresa é a implementação do benefício de flexibilidade parental, que permite uma licença-maternidade e licença-paternidade de até 6 meses.

Essa modalidade se aplica tanto às mães, quanto aos pais e responsáveis que compõem o grupo LGBTQIA+. O foco é reduzir as desigualdades de gênero e encorajar a participação igualitária na criação dos filhos.

Horário de trabalho flexível e trabalho remoto

A possibilidade de atuar profissionalmente com horários menos engessados ou remotamente é de extrema importância para promover a igualdade no mercado de trabalho.

Considerar a implementação dessa medida para o Dia das Mães na empresa pode promover transformações importantes no longo prazo. Isso porque essas medidas permitem conciliar as responsabilidades familiares com as de carreira de forma mais equilibrada.

A possibilidade de atuação remota permite que a mãe exerça sua função em um local mais próximo dos filhos. Isso resulta em melhor produtividade e manutenção da saúde mental, pois possibilita uma melhor organização das rotinas.

Creches e berçários no local de trabalho

Ainda em relação à volta para o trabalho depois da licença-maternidade, é comum que existam alguns assuntos pendentes para o ajuste da rotina, como o que fazer se o bebê ainda estiver em amamentação ou se não houver alguém de confiança para cuidar da criança.

Questões como essas incentivam companhias a investir em benefícios como o auxílio-creche. Contudo, por mais que seja útil, ele não se aplica às necessidades de todas as mães , especialmente aquelas que acabaram de ter filhos.

Normalmente,o auxílio-creche é direcionado a crianças de até 3 anos e 11 meses de idade.

Suporte à amamentação e aleitamento materno

Ainda sobre o auxílio-creche e os berçários in company, só sua implementação não é suficiente. Para que essas medidas sejam realmente efetivas, é essencial que a cultura organizacional da empresa também se adapte.

Em primeiro lugar, é preciso promover campanhas de conscientização em que se normalize a amamentação no local de trabalho, pois ainda existe preconceito acerca do tema. Isso faz com que muitas mães se sintam envergonhadas e coibidas.

Além de conscientizar as pessoas colaboradoras, é válido ressaltar a relevância de oferecer espaços apropriados às mães que desejam amamentar ou extrair leite durante o horário de trabalho. Naturalizar essa prática garante que elas se sintam confortáveis e acolhidas.

Programas de mentorias e desenvolvimento profissional

O Dia das Mães na empresa é uma ótima oportunidade para o RH e o setor de Compliance planejarem programas de mentorias e desenvolvimento profissional específicos para pessoas que são mães.

Além das medidas citadas até aqui, também é importante prestar suporte adicional. Conciliar a carreira e a maternidade ainda é um desafio.

Equilíbrio trabalho-vida pessoal

Oferecer apoio e flexibilidade para que pessoas que maternam possam administrar suas obrigações de maneira eficaz é uma das formas mais valiosas de celebrar o Dia das Mães na empresa.

Enquanto conciliam a carreira e os cuidados com os filhos, elas precisam sentir-se inseridas em um espaço de segurança psicológica. Para isso, a cultura organizacional deve reconhecer que esses desafios existem.

Valorizar a qualidade do trabalho ao invés de focar exclusivamente em longas jornadas é importante nesse sentido. A ideia é encorajar mães a equilibrar suas responsabilidades sem prejudicar suas perspectivas profissionais.

Cultura inclusiva e combate ao estigma

Por fim, tudo o que foi mencionado envolve a necessidade de criação de uma cultura inclusiva, que combata o estigma em relação às mães no local de trabalho. Além disso, precisa promover uma maior valorização das habilidades e experiências que elas trazem para a equipe.

Para isso, é essencial treinar a liderança e as pessoas gestoras para que possam oferecer apoio às mães e às famílias a partir da transparência e empatia.

Também é preciso manter diálogo aberto com pessoas colaboradoras que são mães sobre o tipo de apoio que precisam durante e após a gravidez.

Reúna-se com toda a sua equipe e veja quais são as possibilidades da organização. Promover culturas em que equidade seja uma expectativa para todas as pessoas, independente do gênero, é um desafio que gera ótimos resultados.

Refletir sobre o Dia das Mães na empresa é um passo essencial para promover avanços na cultura organizacional, reformulando políticas e práticas a fim de atender todas as pessoas, sem distinção.

Para entender mais sobre o tema, baixe o ebook do Programa Emprega + Mulheres. Ele detalha a nova Lei 14.457 e suas aplicações para tornar as organizações mais seguras para a inclusão feminina.